O VENTO DOS OUTROS


"Olhava para Puerto Navarino, viam-se as pequenas ilhas redondas que rompem a água em forma de dorso de baleias, circundadas pelas suas crias. Estava tudo tão sossegado que o pousar de um pássaro me sobressaltava. Um som provindo de um corno chamava os cavalos e abastecia o ar de irrealidade. Viu-os correr com a crina aos saltos e alegrei-me por não ter montado a tenda no primeiro sítio onde pensara. Ameaçava chover. O meu bloco de notas guardou estas palavras de momento:
" O fim do mundo é o que tu quiseres. É uma cidade ou uma vila, uma aldeia ou três casas.O fim do mundo é uma história que nunca te contaram.O fim do mundo é uma avioneta que não corta o silêncio instalado. O fim do mundo terá sempre, invariavelmente, montanhas com cumes aguçados.O fim do mundo tem água, toda a água que o planeta possa suportar. O fim do mundo não tem gravidade, não tem cheiro.Tem árvores tortas, dobradas ou arrancadas pelo vento. O fim do mundo essencialmente tem vento. Que nunca é discreto, nunca é sopro, nunca é brisa. É uma besta, um Cabo Adamastor só de ouvido, um louco transeunte que grita tudo o que diz, tudo o que as pessoas não querem saber, e disfarçando, fingem não o ouvir nem o ver.O fim do mundo tem muitas nuvens, que claro, indigentes como o outro, seguem sempre o seu caminho e nunca por aqui param. Há sempre tantas e nunca são as mesmas.No fim do mundo os dias são gigantes ou anões. No fim do mundo sente-se que se chegou longe, mas que afinal não era tão longe assim."
in O Vento dos Outros

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